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21 de fev. de 2018

Sobre procrastinação.

A procrastinação é um potinho de plástico no microondas esperando você apertar o botão de ligar.
No pote, há um punhado de arroz, pedaços de carne salgados - porque você errou a mão quando tentava colocar o sal e mexer no celular ao mesmo tempo - e um pouco de feijão, porque disseram que tem ferro e você se convenceu de que precisa dele quando na semana passada se sentiu fraco e lembrou do tal ferro do feijão. Pois então, você bota o pote bem no meio do microondas com delicadeza e aperta aquele botão milagroso, o botão que é quase uma mãe de santo dos cartazes de rua: "trago sua comida quentinha de volta em 30 segundos". E depois dos 30 segundos lá está o seu potinho com uma fumacinha saindo copiosamente que simula comida feita na hora. Mas assim que você raciocina sobre essa fumacinha falsa, você começa a realmente perceber que a procrastinação está neste pote de plástico. E pior!, ela faz um par infalível com o microondas. Você grita "como podem fazer isso comigo!?" quando recebe uma pancada num lado da cabeça - que muitos chamam de epifania - e aí vê que o verdadeiro par da procrastinação é você mesmo. Ela é o pote, você é você. Ela é ela, você é o microondas. Tudo se mistura e você fica meio confuso. Sua revelação é reforçada quando você descobre que o pote libera uma toxina quando você o esquenta, o que parece muito quando você dá o braço a torcer para a procrastinação e ela libera uma coisa - agora comprovadamente sabido que é uma toxina - que te faz ficar improdutivo, preguiçoso, quase fazendo a sua existência beirar à inutilidade. E então você decide acabar com toda essa palhaçada e desliga o microondas da tomada. Neste momento você está decidido a romper este laço com a procrastinação e com o pote e com aquela comida. E você resolve que fará um novo arroz, uma nova carne - com pouco sal - e muito mais feijão, por causa do ferro. E só quando você está com uma das panelas nas mãos em posição vencedora de revolução pessoal é que você percebe que está atrasado e seu estômago acabou de roncar. Você olha pro pote e o pote olha pra você e quando nota, está mexendo no celular enquanto come a comida do pote cheia de toxina e fumaça falsa. E você mente para si mesmo de que a procrastinação não tem lá um gosto ruim. Só é um pouco salgada.

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