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4 de mar. de 2018

Desabafo e muitos pontos

Existe um antes e depois pra mim. Um antes e depois peculiar: o antes de você morrer e o depois de você ter ido. O antes consiste em um tempo que eu já não sei se eu me lembro mais. Me parece tão turvo e tudo soa como se nunca tivesse acontecido. Parece-me que eu dormi um sono longo, de 2 anos e acordei do sonho que era nossa vida a dois. Eu achei que estava tudo indo bem antes de você morrer, mas agora, no tempo depois de você ter ido, eu vejo que havia muita coisa que deveria ter sido feita. Que deveria ter sido dita. Talvez. Eu me sinto culpada, basicamente. Eu estou sem respostas e também sem as perguntas. Embora eu saiba que a culpa não é minha eu a sinto. Sinto que deveria ter te salvado. De alguma maneira. Não sei.

Essa divisão de tempo divide também muita coisa dentro de mim. Metade de mim quer viver mais do que nunca, porque nesse tempo do depois de você ter ido só me restou isso mesmo, viver. Mas a outra metade está presa no tempo antes de você morrer e, consequentemente, lá no tal dos sete palmos. Viver com só a metade de si é muito difícil porque não existe muito equilíbrio. E quando parece que vou conseguir dar mais um passo eu acabo caindo. Cair dói e prejudica a experiência do andar. E eu preciso seguir. Você sabe disso.

A questão é que de todas as coisas que eu estudei, jamais tive sequer uma aula sobre como viver dividida entre dois tipos de tempo. Não há textos, tutoriais, vídeos ou profissionais que me expliquem como sobreviver com esse desequilíbrio temporal. Eu frequento médicos e os confins da minha mente para tentar desbloquear alguma área que me dê o poder da estabilidade, mas por enquanto só achei umas coisas começando a mofar do tempo antes de você morrer. Eu PRECISO seguir. Você e eu sabemos disso.

Desde o dia que entrou em vigor o tempo depois de você ter ido eu penso e sinto esses dois tipos de épocas da minha vida em vários momentos. Naquela manhã eu entrei no ano 0. E agora estou construindo uma nova sociedade dentro de mim. Dentro daquela metade que sobrou, no caso. Há muitos conflitos, mas dizem que do caos é que se cria a harmonia.

Eu procuro consertar o desequilíbrio com arte, estudo e conversas. Estou mais aberta com as pessoas e ressignificando os meus modos de contato. Ando lendo e até comecei a assistir coisas. Uma pessoa querida me fez sentir vontade e outra pessoa querida me facilitou acessos. (Tecnologia nunca foi meu forte). Quero dar mais abraços e atenção a quem gosto, embora eu seja ainda muito ruim nisso. Tudo porque estou bem mais sensível. Eu vejo beleza numas coisas estranhas. Mas também sinto todas as negatividades do mundo. Estar só com a metade alterou meus níveis de empatia.

Creio que amadureci uns 100 anos dos tempos antigos pra cá. Amadurecimento que eu precisava. Mas do fundo do meu coração eu não queria que tivesse sido nessas circunstâncias. Queria que tivesse sido num tempo só. Fluido. Gradativo. 2,3,4,5. Não 0. O que eu faço com 0 coisas? Com 0 momentos? Trouxe várias coisas pra esta casa, mas não me são nada. Vou precisar desenvolver habilidades de arquiteta existencial para dar conta de construir tudo de novo e mesmo assim, serão construções do ano depois de você ter ido.

Mas eu preciso seguir. E eu sei disso. A outra metade sabe disso. Você sabe disso. Os amigos e parentes sabem disso. Só o tempo que não. Por isso além de viver só com uma parte, estarei sempre contando meu tempo como antes de você morrer e depois de você ter ido.


Edit: Eu estou seguindo. Eu sei disso. E me sinto melhor.

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